Os estafilococos são bactérias esféricas, que formam colônias de células aderidas umas às outras, ora encadeadas, aos pares ou formando correntes, ora agrupadas em forma de cachos, o que deu origem a seu nome. A palavra staphyle, de origem grega, significa cacho de uvas. Este é o formato das colônias de Staphylococcus aureus, segundo a infectologista e também presidente da Associação Brasileira de Profissionais em Controle de Infecções e Epidemiologia Hospitalar, Dra. Adélia Aparecida Marçal dos Santos, espécie mais freqüentemente envolvida nas infecções estafilocócicas agudas em humanos. Estes seres invisíveis, medindo de 0,5 a 1,5 micra, têm sido um dos maiores desafios da humanidade.
Algumas formas de doenças, hoje sabidamente provocadas por estes germes, são relatadas em textos tão antigos quanto os da Bíblia. A sexta, das dez pragas infligidas aos Egípcios, foi descrita como uma doença que provocava tumores e chagas nos homens e nos animais (Êxodus 9:8-12), semelhante às manifestações de infecções estafilocócias na pele, cita a especialista. Embora presentes no ambiente e causando doenças desde os tempos antigos, os estafilococos só foram relacionados a doenças supurativas a partir de 1882, quando o Dr. Ogston - um estudioso, demonstrou a presença sistemática dos minúsculos cocos nas secreções das feridas cirúrgicas infectadas.
Mas de onde vêm estas criaturas? Os estafilococos estão presentes na água, no solo e em alimentos derivados de animais, como ovos, carne de animais e de aves, leite e seus derivados. Apesar de sobreviverem em diversos ambientes, eles habitam principalmente a pele e mucosas de mamíferos e aves. Podem também estar presentes no trato respiratório, urinário e gastro-intestinal e o seu principal reservatório são as narinas, responde a médica. Cerca de 30% dos indivíduos, mesmo sadios, podem portar estes microorganismos em suas narinas. Um percentual menor abriga estes microorganismos em outros locais do corpo como axilas, região inguinal, períneo e vagina. Alguns pacientes podem abrigar uma carga ainda maior destes microorganismos, devido ao funcionamento deficiente de seus sistemas de defesa. São exemplos os pacientes diabéticos dependentes de insulina, aqueles submetidos a tratamentos dialíticos e os portadores de doenças de pele descamativas. A flora de uma pessoa pode ser alterada durante sua hospitalização, principalmente devido ao uso de antibióticos e a maior concentração de pessoas doentes.
No ambiente hospitalar, a transmissão destes microorganismos, de indivíduos colonizados ou infectados para outros que não são portadores, pode ocorrer através das mãos dos profissionais contaminadas por esta bactéria. O ambiente também pode abrigar estes microorganismos, embora seja uma fonte de contaminação menos importante na cadeia de transmissões das infecções. Os móveis e roupas podem ser contaminados a partir de secreções de feridas ou gotículas de tosse e espirros. Os estafilococos podem sobreviver durante horas nas superfícies dos objetos. Dos locais onde se fixam e colonizam, os estafilococos são transferidos para a pele e podem provocar infecções a partir de cortes, escoriações, picadas de insetos etc. A maioria das infecções estafilocócicas, quer sejam comunitárias ou hospitalares, têm como fonte o próprio indivíduo.
Infecções Dra. Adélia Marçal explica que os estafilococos estão geralmente mais envolvidos em infecções de pele superficiais e profundas, podendo atingir os tecidos subcutâneos e musculatura. Quando ocorre uma quebra na barreira da pele, cria-se a oportunidade para a agressão. A resposta do sistema de defesa resulta no surgimento dos fenômenos vasomotores que irão gerar calor, tumoração, dor no local e produção de pus. Também podem provocar conjuntivites, pneumonias, meningites, endocardites e mesmo infecções da corrente sangüínea, a septicemia, ou provocar uma doença generalizada, envolvendo vários órgãos. As doenças infecciosas podem ser muito semelhantes, mas algumas características são marcantes naquelas produzidas pelos estafilococos. A presença de febre alta e o comprometimento importante do estado geral, com alterações extensas nos exames radiológicos falam a favor de pneumonia estafilocócica. Infecções de pele com presença de bolhas e pus também são características destes agentes. As características da infecção podem oferecer informações importantes para o diagnóstico relacionado ao agente etiológico, porém, apenas com o estudo microbiológico de tecidos, secreções, sangue ou artigos médico-hospitalares provenientes do local infectado é que poderemos ter certeza do envolvimento destes microorganismos. Os estudos microbiológicos devem isolar o microorganismo em culturas, identificando sua espécie e os antibióticos aos quais é sensível.
Tratamento das Infecções O tratamento das doenças envolvendo os estafilococos teve início com a descoberta da penicilina e seu uso em escala industrial, no começo da década de quarenta. Estes microorganismos, entretanto, possuem uma incrível habilidade de adaptação e logo conseguiram desenvolver mecanismos próprios, produzindo enzimas que destruíam as penicilinas e anulavam seus efeitos nocivos.
Começava a corrida entre a indústria farmacêutica, na busca por novas substâncias mortais, e os microorganismos, na luta pela sobrevivência. Hoje, existem diversos medicamentos, acrescenta a especialista, que podem ser usados no tratamento das infecções estafilocócicas. Alguns possuem maior poder bactericida sobre estes cocos, devendo ser a primeira escolha para infecções mais graves.“É o caso das penicilinas resistentes às enzimas produzidas por estas bactérias, a nafcilina, ou a oxacilina, esta última mais utilizada no Brasil”. Entretanto, com o uso indiscriminado destas drogas, criando uma pressão de seleção de bactérias resistentes e induzindo o desenvolvimento de mecanismos de resistência, fica cada vez mais difícil combater estas doenças, comenta. Há alguns anos surgiram os primeiros casos de estafilococos resistentes ao que denominávamos a última esperança de tratamento. Apesar de mais tóxica ao ser humano, mais cara e com disponibilidade apenas para a administração endovenosa, a vancomicina, medicamento da classe dos glicopeptídeos, possuía até então a capacidade de exterminar todos os estafilococos.
Com casos de resistência descritos no Japão, Estados Unidos e mesmo no Brasil, a expectativa é de que, em um futuro mais próximo do que imaginamos, este medicamento não seja mais tão seguro para o tratamento das infecções resistentes à oxacilina. Dra. Adélia comenta ainda que neste contexto de bactérias super resistentes, recebemos com um misto de euforia e apreensão a divulgação da disponibilização no Brasil de uma nova droga, que chega como uma alternativa para o tratamento das estafilococcias. Após 35 anos sem desenvolver uma classe nova de antibióticos, a indústria farmacêutica apresentou este ano a linezolida, substância capaz de interromper o metabolismo protéico dos estafilococos, inibindo seu crescimento e até provocando sua morte. A disponibilidade deste medicamento tanto na forma endovenosa, como oral irá facilitar seu uso mesmo em infecções de menor importância. Para a médica, a ausência de uma política rígida de controle da venda e distribuição dos antibióticos pode levar ao uso indiscriminado destes medicamentos, mais uma vez facilitando o desenvolvimento de resistência e a perda da possibilidade terapêutica para as doenças mais graves causadas pelos estafilococos. Nesta corrida pela sobrevivência, estamos bilhões de anos atrasados e menos adaptados que as bactérias. “Na visão dos epidemiologistas, a promoção da saúde como um todo, com uso de antibióticos apenas quando necessário, sempre através da prescrição médica, pode permitir o uso dos antibióticos por mais tempo, evitando o desenvolvimento da resistência”.A melhoria das condições de higiene e a prevenção da transmissão destes microorganismos na comunidade e no meio hospitalar, através de uma atitude simples como a higienização das mãos, podem reduzir drasticamente a transmissão destas infecções. “Cabe a cada um de nós adotar estas práticas preventivas em nosso dia-a-dia, protegendo a nós mesmos e ao nosso ecossistema”, finaliza a epidemiologista.
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