As mulheres frequentemente foram silenciadas, controladas, diminuídas e
tratadas como subumanas nas mais diversas sociedades humanas. Todavia,
houve um homem que lutou sozinho contra o império do preconceito. Ele
foi incompreendido, rejeitado, excluído, mas não desistiu dos seus
idéias. Ninguém apostou tanto nas mulheres como ele. Fez das prostitutas
rainhas, e das desprezadas, princesas. Muitos dizem que ele é o homem
mais famoso da história, mas poucos sabem que foi ele quem mais defendeu
as mulheres. Seu nome é Jesus Cristo, o Mestre dos Mestres na arte de
viver. Esse texto não fala de uma religião, mas da filosofia e da
psicologia do homem mais complexo e ousado de que se teve noticia.
Nos tempos de Jesus os homens adúlteros não sofriam punição severa.
Todavia, a mulher adultera era arrastada em praça pública, suas vestes
rasgadas e, com os seios à mostra, eram apedrejadas sem piedade.
Enquanto sangravam e agonizavam, pediam compaixão, mas ninguém as ouvia.
A cena, inesquecível, ficava gravada na mente e perturbava a alma para
sempre.
Certa vez, uma mulher foi pega em adultério. Arrancaram-na da cama e a
arrastaram centenas de metros até o lugar em que Jesus se encontrava. A
mulher gritava “Piedade! Compaixão!”, enquanto era arrastada; suas
vestes iam sendo rasgadas e sua pele sangrava esfolando-se na terra.
Jesus estava dando uma aula tranqüila na frente do templo. Havia uma
multidão ouvindo-o atentamente. Ele lhes ensinava que cada ser humano
tem um inestimável valor, que a arte da tolerância é a força dos fortes,
que a capacidade de perdoar está diretamente relacionada à maturidade
das pessoas. Suas idéias revolucionavam o pensamento humano, por isso
começou a ter muitos inimigos. Na época, os judeus constituíam um povo
fascinante, mas havia um pequeno grupo de radicais que passou a odiar as
idéias do Mestre. Quando trouxeram a mulher adultera até ele, a
intenção era apedreja-lo juntamente com ela, usa-la como isca para
destruí-lo.
Ao chegarem com a mulher diante dele, a multidão ficou perplexa.
Destilando ódio, comentaram que ela fora pega em flagrante adultério. E
perguntaram qual era a sentença dele. Se dissesse “Que seja apedrejada”,
ele livraria a sua pele, mas destruiria seu projeto transcendental, seu
discurso e principalmente seu amor pelo ser humano, em especial pelas
mulheres. Se dissesse “Não a matem!”, ele e a mulher seriam
imediatamente apedrejados, pois estariam indo contra a tradição daqueles
radicais. Se os fariseus tivessem feito a mesma pergunta aos discípulos
de Jesus, estes provavelmente teriam dito para mata-la. Assim se
livrariam do risco de morrer.
Qual foi a primeira resposta do Mestre diante desse grave incidente? Se
você pensou: “Quem não tem peado atire a primeira pedra!” , errou, essa
foi a segunda resposta. A primeira foi não da resposta, foi o silencio.
Só o silencio pode conter a sabedoria quando a vida está em risco. Nos
primeiros 30 segundos de tensão cometemos os maiores erros de nossas
vidas, ferimos quem mais amamos. Por isso, o silencio é a oração dos
sábios. Para o Mestre dos Mestres, aquela mulher, ainda que
desconhecida, pobre, esfolada, rejeitada publicamente e adultera, era
mais importante do que todo o ouro do mundo, tão valiosa como a mais
pura das mulheres. Era uma jóia raríssima, que tinha sonhos,
expectativas, lágrimas, golpes de ousadia, recuos, enfim, uma historia
fascinante, tão importante como a de qualquer mulher. Valia a pena
correr riscos para resgata-la.
Para o Mestre dos Mestres não havia um padrão para classificar as
mulheres. Todas eram igualmente belas, não importando a anatomia do seu
corpo, não importando nem mesmo se erravam muito ou pouco. Jesus
precisava mudar a mente dos acusadores, mas nunca ninguém conseguiu
mudar a mente de linchadores. O “eu” deles era vítima das janelas do
ódios, não eram autores da sua história, queria ver sangue. O que fazer,
então?
Ao optar pelo silencio, Jesus optou por pensar antes de reagir. Ele
escrevia na areia, porque escrevia no teatro da sua mente. Talvez
dissesse para si mesmo: “Que homens são esses que não enxergam a riqueza
dessa mulher? Por que querem que eu a julgue, se eu quero amá-la? Por
que, em vez de olhar para os erros dela, não olham para seus próprios
erros?”
O silencio inquietante de Jesus deixou os acusadores perplexos,
levando-os a diminuir a temperatura da raiva, da tensão, oxigenando a
racionalidade deles. Num segundo momento, eles voltaram a perguntar o
veredicto do Mestre. Então, finalmente, ele se levantou. Fitou os
fariseus nos olhos, como se dissesse: “Matem a mulher! Todavia, antes de
apedreja-la, mudem a base do julgamento, tenham a coragem de ser
transparentes em enxergar as suas falhas, erros e contradições”. Esse
era o sentido de suas palavras. “Quem não tem pecado atire a primeira
pedra!”
Os fariseus receberam um choque de lucidez com as palavras de Jesus.
Saíram do cárcere das janelas killer e começaram a abrir as janelas
light. Deixaram de ser vítimas do instinto de agressividade e passaram a
gerenciar suas reações. O homo sapiens prevaleceu sobre o homo bios, a
racionalidade voltou. O resultado é que eles saíram de cena. Os mais
velhos saíram primeiro porque tinham acumulado mais falhas ao longo da
vida ou porque eram mais conscientes delas.
Jesus olhou para a mulher e fez uma delicada pergunta: “Mulher, onde
estão seus acusadores?” O que ele quis dizer com essa pergunta e por que
a fez? Em primeiro lugar, ele chamou a adultera de “mulher”, deu-lhe o
status mais nobre, o de um ser humano. Ele não perguntou com quantos
homens ela dormira. Para o Mestre dos Mestres, a pessoa que erra é mais
importante do que seus próprios erros. Aquela mulher não era uma
pecadora, mas um ser humano maravilhoso. Em segundo lugar, perguntou:
“Onde estão os seus acusadores? Ninguém a acusou?” Ela respondeu:
“Ninguém”. Ele reagiu: “Nem eu”. Talvez ele fosse a única pessoa que
tivesse condições de julga-la, mas não o fez. O homem que mais defendeu
as mulheres não a julgou, mas compreendeu, não a excluiu, mas a abraçou.
As sociedades ocidentais são cristãs apenas no nome, pois desrespeitam
os princípios fundamentais vividos por Jesus. Um deles é o respeito
incondicional pelas mulheres!
O homem que mais defendeu as mulheres não parou por aí. Sua ultima frase
indica o apogeu da sua humanidade, o patamar mais sublime da
solidariedade. Ele disse para a mulher: “Vá e refaça seus caminhos”.
Essa frase abala os alicerces da psiquiatria, da psicologia e da
filosofia. Jesus tinha todos os motivos para dizer: “De hoje em diante,
sua vida me pertence, você deve ser minha discípula”. Os políticos e
autoridades usam seu poder para que as pessoas os aplaudam e gravitem em
sua órbita. Mas Jesus, apesar do seu descomunal poder sobre a mulher,
foi desprendido de qualquer interesse. “Vá e revise a sua historia,
cuide-se. Mulher, você não me deve nada. Você é livre!”
Jesus a despediu, mas ela não foi embora. E por que? Porque o amou. E,
por ama-lo, o seguiu para sempre, inclusive até os pés da cruz, quando
ele agonizava. Talvez essa mulher tenha sido Maria Madalena. A base
fundamental da liberdade é a capacidade de escolha, e a capacidade de
escolha só é plena quando temos liberdade de escolher o que amamos.
Todavia, estamos vivendo em uma sociedade em que não conseguimos sequer
amar a nós mesmos. Estamos nos tornando mais um numero de cartão de
crédito, mais um consumidor potencial. Isso é inaceitável.
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