Na mira do inquérito criminal aberto pelo Ministério Público
Estadual estão o presidente, Gedelti Gueiros, e demais membros da cúpula
da igreja.
Quarenta dias após ter sido divulgado um esquema de corrupção na
Igreja Cristã Maranata, o Ministério Público Estadual abriu um inquérito
criminal para investigar o desvio de recursos provenientes do dízimo
doado por fiéis. O presidente da instituição, Gedelti Gueiros, que não
era apontado como um dos responsáveis pelo crime, é agora alvo da
investigação junto com o restante da cúpula da igreja. Estimativas
iniciais apontam que o rombo pode superar R$ 21 milhões.
Entre os crimes já identificados estão estelionato, lavagem de
dinheiro, falsidade ideológica, formação de quadrilha e crimes contra a
ordem tributária. O trabalho é conduzido pelos promotores do Grupo
Especial de Trabalho de Proteção à Ordem Tributária (Getpot) e pelo
Grupo Especial de Trabalho Investigativo (Geti).
Outra realidade
A Maranata, em uma apuração interna feita em outubro do ano
passado, apontou como responsáveis pelo desvio três pastores e um
diácono. Mas em uma ação movida na Justiça, a igreja acusou como cabeças
do esquema o seu vice-presidente, o pastor Antônio Ângelo Pereira dos
Santos, e o contador e diácono Leonardo Meirelles de Alvarenga, ambos
afastados de suas funções.
As investigações dos promotores mostram, porém, uma realidade
diferente. A análise de documentos e até os depoimentos de fiéis e
empresários que eram fornecedores da igreja revelaram que Gedelti
Gueiros é tido como um líder absoluto, uma espécie de mito que detém o
controle da Maranata. Ele está na cúpula da igreja desde a sua fundação e
há cinco anos é seu presidente.
A gestão da Maranata estava nas mãos dele e de seus assessores
diretos – vice-presidente, diretores, secretários, assessores e membros
do conselho presbiterial. Juntos nomeavam e delegavam poderes e cargos
estratégicos, aprovavam e avalizavam contas e condutas. Isso, segundo as
investigações, indica que Gedelti sabia de tudo o que acontecia na
igreja, não só no âmbito religioso, mas também administrativo.
Essa competência está prevista no estatuto da igreja que
vigorava até o final do ano, quando foram feitas as denúncias de fraude.
Ao presidente, segundo o documento, cabe: “Convocar e presidir
reuniões, representar a igreja e indicar assessoria administrativa,
econômica, jurídica e outras”.
Concentração
Outra conclusão dos promotores é de que a administração de toda a
estrutura da igreja está centralizada no Presbitério, localizado em
Vila Velha. De lá parte todo o comando administrativo e espiritual
seguido com rigor pelos pastores nos mais de cinco mil templos no Brasil
e exterior.
É também no Presbitério que está o caixa único da igreja, que
recebe os recursos oriundos do dízimo de todos os templos. A Maranata
não informa quanto arrecada por mês, mas sabe-se que é a segunda em
número de evangélicos no Estado e uma das que mais cresce no país. Foi
dessa conta que os recursos foram desviados.
A investigação indica que os autores do desvio podem ter
praticado fraudes que caracterizam estelionato, e que o crime seria
semelhante ao dos dirigentes da Igreja Universal do Reino de Deus, vista
pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) como “uma organização criminosa
que se valia da estrutura da igreja e de empresas vinculadas para
arrecadar vultuosos valores, ludibriando os fiéis”.
Esquema
O esquema seria viabilizado por intermédio da emissão de notas
fiscais frias fornecidas por um grupo de empresas que prestavam serviços
– que não existiam ou eram superfaturados – para a Maranata.
Na
investigação realizada pela própria igreja diversos empresários chegaram
a dar depoimentos confirmando a emissão de notas frias. Um deles é o
proprietário de uma pequena papelaria localizada em São Torquato, Vila
Velha. A Maranata chegou a pagar mais de R$ 941 mil por materiais que
nunca foram entregues.
Havia ainda a criação de empresas falsas, a utilização de
laranjas para adquirir bens ou constituir as sociedades comerciais. Atos
que configuram, segundo os promotores, em outro crime, o de falsidade
ideológica.
A possível associação entre os pastores que administravam a
igreja para efetivar os crimes é caracterizada como formação de
quadrilha, com viés de organização criminosa. O objetivo de tudo,
segundo o que indicam as investigações, seria o enriquecimento ilícito.
Algo que foi identificado a partir de movimentações financeiras
discrepantes e pela ostentação de bens e patrimônio sem comprovação.
Carros e imóveis
Nos depoimentos há relatos de que os recursos desviados eram
usados na compra de carros, imóveis, terrenos, apartamentos e no
pagamento de contas pessoais. Outra parte do dinheiro era investida na
compra de dólares, enviados para o exterior na mala dos fiéis.
Foram constatadas ainda provas de fraude ao fisco, com a emissão
de notas fiscais frias e falsas, além da falsificação de dados em
livros contábeis, que eram lavrados de forma ilícita para justificar os
gastos que eram desviados da igreja. Para o Ministério Público Estadual
isso constitui crimes contra a ordem tributária e de lavagem de
dinheiro.
Parte das informações obtidas durante o processo de investigação
vai ser encaminhada para o Ministério Público Federal. Dentre elas, a
compra de equipamentos de videoconferência, que teriam entrado no Brasil
de forma irregular. Os equipamentos eram adquiridos no Paraguai e nos
Estados Unidos e trazidos para o Espírito Santo na mala de alguns fiéis.
Prazo
A investigação tem prazo de 90 dias para ser concluída, podendo ser
prorrogada conforme a necessidade dos promotores. A partir de agora,
todos os que supostamente teriam participado das ações ilícitas serão
intimados a prestar depoimento.
O inquérito criminal tramitará com restrições a publicidade dos
fatos apurados, o que significa que parte das informações não será
divulgada. O objetivo, segundo os promotores, é não atrapalhar o
andamento das investigações.
Igreja diz que “busca a justiça”
“Buscar
sempre a justiça”. Esse sempre foi o objetivo da Maranata, segundo nota
emitida pela igreja e assinada pelo advogado responsável por sua defesa
criminal, Homero Mafra. Nela destacam que prova disso foram as medidas
adotadas, como a realização de um procedimento interno de investigação e
contratação auditoria independente para apurar as irregularidades
cometidas contra a instituição. “Tudo por iniciativa da própria igreja”,
diz a nota.
Houve ainda, segundo a nota, a troca dos membros do Conselho
Prebiteral, que solicitaram ao Ministério Público Estadual e à Receita
Federal que apurassem as possíveis irregularidades. “Vamos aguardar a
apuração de todos os fatos e a responsabilização dos envolvidos”.
Acrescentam que a igreja “utilizará de todos os meios disponíveis para
preservar o seu rebanho e seus valores éticos, morais e espirituais”.
Na Justiça a igreja move uma ação contra o vice-presidente Antônio
Ângelo Pereira dos Santos e o contador Leonardo Meirelles de Alvarenga,
ambos já afastados de suas funções. O processo estava nas mãos do juiz
Robson Albanez, que na última semana suspendeu o segredo de justiça e se
deu por impedido para julgar a causa, alegando “questões de foro
íntimo”. O caso foi transferido para o juiz da 7ª Vara Cível, Marcos
Assef. O caso também está sendo investigado pela Delegacia de
Defraudações e Falsificações. O presidente da Maranata, Gedelti, chegou a
ser convidado a depor, mas não compareceu.
Para advogado, ex-maranata, inquérito prova veracidade de denúncias
“Agora
é a hora da cúpula da Maranata mostrar que é inocente”, diz Leonardo
Lamego Schuler. Ex-maranata, ele é advogado do grupo de dissidentes da
igreja que apresentou denúncias em vários órgãos pedindo que o desvio de
recursos do dízimo fosse investigado.
Na avaliação de Schuler, a abertura do inquérito criminal pelo
Ministério Público Estadual prova que as denúncias apresentadas não são
infundadas. “Se eles têm certeza de que são inocentes, agora é a hora de
provar”, desafia.
Resposta
Schuler disse ainda que esse inquérito pode ser uma resposta para
muitas pessoas que ainda continuam na igreja, aguardando explicações
sobre o que de fato aconteceu. “Se o Ministério Público Estadual chega a
este ponto é porque se baseia em provas contundentes”, assinalou.
O advogado faz ainda questão de pontuar que o objetivo do grupo de
dissidentes ao denunciar o esquema de corrupção nunca foi pessoal.
“Nossa intenção sempre foi a de que tudo fosse apurado”, garante,
acrescentando que só recorreram aos órgãos públicos pedindo uma
investigação por não encontrarem apoio dentro da própria igreja.
A insatisfação com o esquema de corrupção identificado na Igreja
Maranata continua sendo assunto frequente em blogs e redes sociais,
desde o fim do ano passado, se intensificando após os fatos terem sido
revelados por A GAZETA. Vários membros da igreja – muitos deles de forma
anônima – divulgam sua insatisfação e revolta compartilhando com demais
fiéis em comunidades do Orkut e páginas do Facebook.
Racha
Toda essa discussão, no entanto, não foi suficiente para um grupo de
fiéis e pastores que, insatisfeitos, deixaram a instituição. A
justificativa apontada é a de que, diante das denúncias, os cultos
estavam perdendo o seu sentido espiritual. “Nós nos sentimos
constrangidos e insatisfeitos com a falta de informações sobre o que se
passava dentro da igreja”, assinalou Schuler.
O grupo de dissidentes representado por Schuler foi um dos primeiros a
fundar uma nova igreja. A nova denominação leva o nome de Igreja Cristã
Louvai e está localizada na Enseada do Suá, em Vitória.
Pelas redes
sociais os fiéis informaram que uma outra denominação também formada
por dissidentes foi fundada em Vila Velha, cidade onde a Maranata foi
fundada.
Descoberta
Para todas estas pessoas, destaca Schuler, “estava muito difícil
viver dentro de uma igreja que parecia séria e descobrir que nela
acontecia algo de muito grave”. Algumas destas pessoas compareceram,
voluntariamente, ao Ministério Público Estadual para prestar
depoimentos.
Fonte: Gazeta on line