sábado, 10 de março de 2012

Investigação chega a líderes da Maranata

Na mira do inquérito criminal aberto pelo Ministério Público Estadual estão o presidente, Gedelti Gueiros, e demais membros da cúpula da igreja.



Quarenta dias após ter sido divulgado um esquema de corrupção na Igreja Cristã Maranata, o Ministério Público Estadual abriu um inquérito criminal para investigar o desvio de recursos provenientes do dízimo doado por fiéis. O presidente da instituição, Gedelti Gueiros, que não era apontado como um dos responsáveis pelo crime, é agora alvo da investigação junto com o restante da cúpula da igreja. Estimativas iniciais apontam que o rombo pode superar R$ 21 milhões. 

Entre os crimes já identificados estão estelionato, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, formação de quadrilha e crimes contra a ordem tributária. O trabalho é conduzido pelos promotores do Grupo Especial de Trabalho de Proteção à Ordem Tributária (Getpot) e pelo Grupo Especial de Trabalho Investigativo (Geti).

Outra realidade

A Maranata, em uma apuração interna feita em outubro do ano passado, apontou como responsáveis pelo desvio três pastores e um diácono. Mas em uma ação movida na Justiça, a igreja acusou como cabeças do esquema o seu vice-presidente, o pastor Antônio Ângelo Pereira dos Santos, e o contador e diácono Leonardo Meirelles de Alvarenga, ambos afastados de suas funções.

As investigações dos promotores mostram, porém, uma realidade diferente. A análise de documentos e até os depoimentos de fiéis e empresários que eram fornecedores da igreja revelaram que Gedelti Gueiros é tido como um líder absoluto, uma espécie de mito que detém o controle da Maranata. Ele está na cúpula da igreja desde a sua fundação e há cinco anos é seu presidente.

A gestão da Maranata estava nas mãos dele e de seus assessores diretos – vice-presidente, diretores, secretários, assessores e membros do conselho presbiterial. Juntos nomeavam e delegavam poderes e cargos estratégicos, aprovavam e avalizavam contas e condutas. Isso, segundo as investigações, indica que Gedelti sabia de tudo o que acontecia na igreja, não só no âmbito religioso, mas também administrativo.

Essa competência está  prevista no estatuto da igreja que vigorava até o final do ano, quando foram feitas as denúncias de fraude. Ao presidente, segundo o documento, cabe: “Convocar e presidir reuniões, representar a igreja e indicar assessoria administrativa, econômica, jurídica e outras”.
Concentração

Outra conclusão dos promotores é de que a administração de toda a estrutura da igreja está centralizada no Presbitério, localizado em Vila Velha. De lá parte todo o comando administrativo e espiritual seguido com rigor pelos pastores nos mais de cinco mil templos no Brasil e exterior.

É também no Presbitério que está o caixa único da igreja, que recebe os recursos oriundos do dízimo de todos os templos. A Maranata não informa quanto arrecada por mês, mas sabe-se que é a segunda em número de evangélicos no Estado e uma das que mais cresce no país. Foi dessa conta que os recursos foram desviados. 

A investigação indica que os autores do desvio podem ter praticado fraudes que caracterizam estelionato, e que o crime seria semelhante ao dos dirigentes da Igreja Universal do Reino de Deus, vista pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) como “uma organização criminosa que se valia da estrutura da igreja e de empresas vinculadas para arrecadar vultuosos valores, ludibriando os fiéis”.
Esquema

O esquema seria viabilizado por intermédio da emissão de notas fiscais frias fornecidas por um grupo de empresas que prestavam serviços – que não existiam ou eram superfaturados – para a Maranata.
Na investigação realizada pela própria igreja diversos empresários chegaram a dar depoimentos confirmando a emissão de notas frias. Um deles é o proprietário de uma pequena papelaria localizada em São Torquato, Vila Velha. A Maranata chegou a pagar mais de R$ 941 mil por materiais que nunca foram entregues.

Havia ainda a criação de empresas falsas, a utilização de laranjas para adquirir bens ou constituir as sociedades comerciais. Atos que configuram, segundo os promotores, em outro crime, o de falsidade ideológica.

A possível associação entre os pastores que administravam a igreja para efetivar os crimes é caracterizada como formação de quadrilha, com viés de organização criminosa. O objetivo de tudo, segundo o que indicam as investigações, seria o enriquecimento ilícito. Algo que foi identificado a partir de movimentações financeiras discrepantes e pela ostentação de bens e patrimônio sem comprovação.
Carros e imóveis

Nos depoimentos há relatos de que os recursos desviados eram usados na compra de carros, imóveis, terrenos, apartamentos e  no pagamento de contas pessoais. Outra parte do dinheiro era investida na compra de dólares, enviados para o exterior na mala dos fiéis.

Foram constatadas ainda  provas de fraude ao fisco, com a emissão de notas fiscais frias e falsas, além da falsificação de dados em livros contábeis, que eram lavrados de forma ilícita para justificar os gastos que eram desviados da igreja. Para o Ministério Público Estadual isso constitui crimes contra a ordem tributária e de lavagem de dinheiro.

Parte das informações obtidas durante o processo de investigação vai ser encaminhada para o Ministério Público Federal.  Dentre elas, a compra de equipamentos de videoconferência, que teriam entrado no Brasil de forma irregular. Os equipamentos eram adquiridos no Paraguai e nos Estados Unidos e trazidos para o Espírito Santo na mala de alguns fiéis.
Prazo
A investigação tem prazo de 90 dias para ser concluída, podendo ser prorrogada conforme a necessidade dos promotores. A partir de agora, todos os que supostamente teriam participado das ações ilícitas serão intimados a prestar depoimento.

O inquérito criminal tramitará com restrições a publicidade dos fatos apurados, o que significa que parte das informações não será divulgada. O objetivo, segundo os promotores, é não atrapalhar o andamento das investigações.

Igreja diz que “busca a justiça”

“Buscar sempre a justiça”. Esse sempre foi o objetivo da Maranata, segundo nota emitida pela igreja e assinada pelo advogado responsável por sua defesa criminal, Homero Mafra. Nela destacam que prova disso foram as medidas adotadas, como a realização de um procedimento interno de investigação e contratação auditoria independente para apurar as irregularidades cometidas contra a instituição. “Tudo por iniciativa da própria igreja”, diz a nota.
Houve ainda, segundo a nota, a troca dos membros do Conselho Prebiteral, que solicitaram ao Ministério Público Estadual e à Receita Federal que apurassem as possíveis irregularidades. “Vamos aguardar a apuração de todos os fatos e a responsabilização dos envolvidos”. Acrescentam que a igreja “utilizará de todos os meios disponíveis para preservar o seu rebanho e seus valores éticos, morais e espirituais”.
Na Justiça a igreja move uma ação contra o vice-presidente Antônio Ângelo Pereira dos Santos e o contador Leonardo Meirelles de Alvarenga, ambos já afastados de suas funções. O processo estava nas mãos do juiz Robson Albanez, que na última semana suspendeu o segredo de justiça e se deu por impedido para julgar a causa, alegando “questões de foro íntimo”. O caso foi transferido para o juiz da 7ª Vara Cível, Marcos Assef. O caso também está sendo investigado pela Delegacia de Defraudações e Falsificações. O presidente da Maranata, Gedelti, chegou a ser convidado a depor, mas não compareceu.

Para advogado, ex-maranata, inquérito prova veracidade de denúncias

“Agora é a hora da cúpula da Maranata mostrar que é inocente”, diz Leonardo Lamego Schuler. Ex-maranata, ele é advogado do grupo de dissidentes da igreja que apresentou denúncias em vários órgãos pedindo que o desvio de recursos do dízimo fosse investigado.

Na avaliação de Schuler, a abertura do inquérito criminal pelo Ministério Público Estadual prova que as denúncias apresentadas não são infundadas. “Se eles têm certeza de que são inocentes, agora é a hora de provar”, desafia.
Resposta
Schuler disse ainda que esse inquérito pode ser uma resposta para muitas pessoas que ainda continuam na igreja, aguardando explicações sobre o que de fato aconteceu. “Se o Ministério Público Estadual chega a este ponto é porque se baseia em provas contundentes”, assinalou.
O advogado faz ainda questão de pontuar que o objetivo do grupo de dissidentes ao denunciar o esquema de corrupção nunca foi pessoal. “Nossa intenção sempre foi a de que tudo fosse apurado”, garante, acrescentando que só recorreram aos órgãos públicos pedindo uma investigação por não encontrarem apoio dentro da própria igreja.
A insatisfação com o esquema de corrupção identificado na Igreja Maranata continua sendo assunto frequente em blogs e redes sociais, desde o fim do ano passado, se intensificando após os fatos terem sido revelados por A GAZETA. Vários membros da igreja – muitos deles de forma anônima – divulgam sua insatisfação e revolta compartilhando com demais fiéis em comunidades do Orkut e páginas do Facebook.
Racha
Toda essa discussão, no entanto, não foi suficiente para um grupo de fiéis e pastores que, insatisfeitos, deixaram a instituição. A justificativa apontada é a de que, diante das denúncias, os cultos estavam perdendo o seu sentido espiritual. “Nós nos sentimos constrangidos e insatisfeitos com a falta de informações sobre o que se passava dentro da igreja”, assinalou Schuler.
O grupo de dissidentes representado por Schuler foi um dos primeiros a fundar uma nova igreja. A nova denominação leva o nome de Igreja Cristã Louvai e está localizada na Enseada do Suá, em Vitória.
Pelas redes sociais os fiéis informaram que uma outra denominação também formada por dissidentes foi fundada em Vila Velha, cidade onde a Maranata foi fundada.
Descoberta

Para todas estas pessoas, destaca Schuler, “estava muito difícil viver dentro de uma igreja que parecia séria e descobrir que nela acontecia algo de muito grave”. Algumas destas pessoas compareceram, voluntariamente, ao Ministério Público Estadual para prestar depoimentos.

 

Fonte: Gazeta on line

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