domingo, 27 de março de 2011

Fora de controle Relação de Casagrande com classe política em risco


Nerter Samora e Renata Oliveira - Século Diario


A demora na definição do segundo escalão e falta de diálogo com a classe política expõem uma crise política que se instala no palácio Anchieta antes dos 90 dias iniciais do governo socialista. Papo de Repórter analisa as causas e consequências desse desequilíbrio, às vésperas do retorno de Paulo Hartung.

Renata – Nerter, azedou de vez a relação entre o governador Renato Casagrande e a classe política do Estado. A gente já vinha comentando as insatisfações que brotavam de todos os lados no governo, uma verdadeira Torre de Babel, que começa a ruir antes mesmo de sair dos alicerces. A relação entre Casagrande e o senador Ricardo Ferraço (PMDB) já não vinha bem desde o ano passado. E também não era para menos. Não tem como ter uma mudança como a que aconteceu, que substituiu o Ricardo Ferraço pelo Renato e não deixar feridas, que agora percebemos, não estão curadas. Mas até ai tudo bem, seria natural. O problema é que a coisa está se espalhando e os ruídos vêm de vários setores.

Nerter – Esses ruídos estão por todas as partes no próprio palácio Anchieta, que já era um foco de animosidades desde o início do governo. Os emissários de Paulo Hartung, que rateiam a estrutura do Estado com o staff de Casagrande, impõem a manutenção da linguagem anterior e, definitivamente, não falam a mesma língua que os socialistas. E aí ninguém se entende. Mas seria apenas um risco de fogo amigo que poderia ser controlado pelo governador, só que essas insatisfações já extrapolam os limites palacianos. Na Assembleia Legislativa, por exemplo, uma antiga parceira do governo do Estado, o número de insatisfeitos é grande e começa a ficar rumorosa. Daquele cenário da eleição da Mesa Diretora com Casagrande nadando de braçada, as águas se tornaram turbulentas. Do nível de deputado chamar membro do escalão de Casagrande de “safado”, na tribuna da Casa. Coisa inédita no Estado.

Renata – A bancada federal também mostra insatisfação. Os deputados federais querem discutir o governo também, mas, se para os estaduais, que estão mais próximos, não há espaço, imagina para os federais? Até o Audifax Barcelos, que é do partido do governador, vem cortando um dobrado para conseguir emplacar sua candidatura na Serra, assumindo o diretório socialista no município. Isso sem falar em Capitão Assumção, outro caso emblemático, no trato com aliados e correligionários. Com o capital político alcançado por ele, a diretoria no Detran é melhor que um carguinho de terceira linha no Instituto de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Estado do Espírito Santo (Idurb), mas ainda é pouco.

Nerter – O centro das divergências está no fato de o governo ser compartilhado. Com vozes dissonantes, fica difícil unificar o discurso e encontrar um consenso nas coisas mais simples. Além disso, o fato de Casagrande delegar ao secretário da Casa Civil, Luiz Carlos Ciciliotti, a responsabilidade pela interlocução com os agentes políticos, o que na realidade não tem passado de protelação, tem causado ainda mais irritações. Pacote de demandas tem sido levado para o colo do presidente do PSB, Macaciel Breda. Ou seja, está cabendo a uma figura externa ao governo o papel de ouvidor do mercado político.

Renata – Essa postura surda-muda do governo vem se espalhando dentro da estrutura, com outras figuras adotando essa postura equivocada de fechar as portas para o mercado. Isso coloca o governo de Casagrande em um sério risco. Estamos em um ano pré-eleitoral e sem que ninguém tocasse no assunto com Casagrande, as movimentações estão intensas. Se administrativamente Casagrande corre o risco de travar sua tão cara governabilidade, do ponto de vista político está perdendo o espaço que lhe é natural pelo cargo que ocupa de grande liderança política. Como pode um debate sobre a prefeitura da Capital não ter a participação do governador? E mais, colocando o ex-governador no centro do debate, pensa o que isso pode representar lá na frente para Casagrande. O mercado político é complicado, uma vez fechada a porta, fica muito difícil se inserir no debate.

Nerter – Um caminho para Casagrande parece ser o da ruptura com o antigo governo. Se ele não tomar as rédeas no palácio Anchieta e colocar sua voz como a soberana das decisões, vai perder de vez o controle da situação. E isso tem que ser feito rápido. Em todo canto se mantém um certo respeito pelos primeiros 100 dias de governo, veja o exemplo da presidente Dilma, que deixou a oposição tímida, aguardando o final desse período para depois agir, até para se organizar. Aqui, não, Casagrande parece estar completamente alheio aos acontecimentos dentro e fora de seu governo. Nem mesmo a imprensa perguntou a Casagrande sobre sua posição em relação à antecipação do pleito na segunda maior vitrine política do Estado, Vitória.

Renata – Enquanto isso, o ex-governador Paulo Hartung está observando à distância todas as movimentações aqui no Estado. À distância, mas não distante. Ou você tem dúvida de que ele é o grande articulador de todas essas manobras? Através da mídia ainda aliada, Hartung consegue emplacar o que e quem ele quer, onde ele quer. Isso tem uma importância fundamental para seus planos de manutenção no mercado político. Sem estar aqui fisicamente, ele multiplicou seus interlocutores. Exemplo disso é Ricardo Ferraço, que foi o deflagrador do processo de inserção de Hartung na disputa eleitoral de Vitória. Tanto que o prefeito João Coser (PT) entendeu o recado e aderiu à campanha virtual.

Nerter – Esse foi um primeiro movimento, o de criar a sensação de que Hartung é o candidato salvador da pátria para Vitória. Agora a coisa entra em um segundo momento, de desaceleração do processo, que visa a por em suspensão as articulações dentro do grupo de aliados de Hartung e também fora desse arco. A participação de Casagrande neste processo parece ser um equívoco. Ao tentar migrar da Serra para Vitória a candidatura de Audifax, ele preenche a lacuna que existe em seu grupo, que não tem quadros de peso para disputar na Capital. Mas isso traria mais problemas do que soluções, nesse conturbado tabuleiro de interesses de aliados.

Renata – Tirando essa tentativa de inserção, não se viu qualquer outra movimentação do governador, até porque os espaços foram todos tomados. Dificilmente Casagrande conseguirá se colocar no debate de Vitória.

Nerter – Isso mostra a dificuldade de um partido que conta com uma estrela solitária, afinal, o PSB atende aos interesses do Renato, do tamanho que ele pode controlar. Mas isso traz problemas lá para frente. O processo eleitoral de 2012 é uma prévia para a sucessão estadual e, aí sim, ele estará no foco do debate político. Tem que fortalecer o partido, se quiser garantir de fato seu espaço. Embora esse assunto reeleição esteja em suspenso pelas movimentações em Brasília, mas não podemos esquecer que ele precisa de aliados. Sucedendo um governo que, pelo menos na aparência, foi excelente, tem que fazer mais. A ideia de focar o governo no social é boa, mas sozinho ele não vai conseguir fazer nem o básico, quem dirá avançar para um Espírito Santo mais igual.

Renata – Enfim, ou Casagrande age agora ou perderá o controle de seu governo e complicará seu futuro político. Casagrande, está com você!


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