Parte dos políticos atribui o “fenômeno Rodney” ao apoio incondicional que o governador Paulo Hartung deu ao candidato durante a campanha eleitoral e às aparições midiáticas do superdelegado federal à frente da Secretaria de Segurança Pública. Alguns vereadores do interior admitiram que a votação de Rodney foi expressiva, mas natural. Outros estão procurando até hoje as “lideranças fantasmas” que apoiaram o ex-secretário. Todos eles chegaram ao consenso de que o sistema eleitoral brasileiro precisa ser mais transparente, com a auditoria dos resultados das urnas.
Polêmica
O vereador do PRP, Almir Neres, foi o primeiro a se pronunciar publicamente sobre a votação retumbante de Rodney. Durante a sessão do último dia 7 na Câmara de Vila Velha, Neres pediu a palavra para lembrar aos colegas parlamentares que no seu reduto eleitoral, que compreende os bairros de Santa Rita, Capuaba, Alecrim, Planalto e adjacências, não havia nenhuma liderança local apoiando o delegado federal, que mesmo assim conquistou uma votação expressiva na região. Neres só queria entender como Rodney apurou 16.375 votos nas urnas do município canela-verde e conquistou o posto de segundo deputado mais votado.
Para mostrar que não havia explicação plausível para o fenômeno, ele garantiu ainda que nenhum dos 17 vereadores do município declarou apoio a Rodney. “Trabalhei para o deputado Euclério [Sampaio – PDT, derrotado nas últimas eleições] e fiquei pasmo que em uma região como a minha, com 30 mil votos, ele [Euclério] tenha recebido apenas 300”. Estava feita a polêmica.
Depois de pôr fogo no assunto, não se sabe por qual motivo, o vereador canela-verde tentou se esquivar da reportagem para não se posicionar sobre a repercussão do “caso Rodney”. Neres disse que nunca duvidou do Tribunal Regional Eleitoral, e que a imprensa estava distorcendo as suas afirmações. “Não vou contestar o TRE. Não tenho explicações sobre a votação de Rodney”. Depois, para deixar claro que quer encerrar a polêmica aberta por ele mesmo, o vereador disse que avaliava a gestão do ex-secretário Rodney Miranda como boa.
Mesmo com o recuo, o desabafo do vereador, o primeiro, rapidamente entupiu a caixa de e-mail de Século Diário, que publicou a matéria (Mistério nas urnas: votação maciça de Rodney em Vila Velha levanta suspeita) no dia seguinte à sessão.
A fala de Neres também ecoou na Câmara de Serra. Na sessão da última quarta-feira (13), foi a vez da vereadora Sandra Gomes (PSDC) pôr em suspeição a votação estrondosa de Rodney. O vereador eleito deputado estadual, Professor Roberto Carlos (PT), que participou da sessão, ponderou que o questionamento foi uma manifestação isolada da vereadora e que a discussão em torno da polêmica não ganhou corpo dentro do legislativo municipal.
Roberto Carlos, segundo deputado mais votado na Serra (13.964 votos), continua sem entender o “fenômeno Rodney”. O professor confessa que ficou surpreso com a votação do delegado federal no Estado. E se surpreendeu ainda mais com os 11.547 votos que ex-secretário conquistou na Serra – terceiro candidato mais votado no município. “Não sei explicar o fenômeno, mas sei que no meu principal reduto eleitoral, Laranjeiras, ele ficou em segundo lugar. Posso assegurar também que em Laranjeiras, onde funcionou o meu comitê eleitoral, o candidato Rodney fez uma única caminhada. Pelos menos em Laranjeiras, ele não tinha apoio de lideranças comunitárias”, garante.
Para o vereador, fenômenos eleitorais não precisam de intermediários para se eleger. Ele citou o caso de Tiririca, candidato eleito à Câmara dos Deputados por São Paulo com a votação recorde de 1.353.820 votos. “O Tiririca também não precisou de lideranças ou outros intermediários para se eleger”. Roberto Carlos acrescenta ainda que Rodney foi justamente mais votado nos municípios da Grande Vitória, onde a sensação de insegurança é maior. “Repito, ainda não consegui entender esse fenômeno”, reconhece.
Protótipo de Cláudio Guerra
Ao contrário do vereador Roberto Carlos, o candidato derrotado à Câmara dos Deputados, Max Filho (PTB), arrisca dar alguns palpites para explicar a montanha de votos de Rodney. Para o ex-prefeito de Vila Velha, houve muita complacência por parte da grande mídia com o intuito de promover a imagem do então secretário de Segurança Rodney Miranda. “Ainda como secretário, Rodney era exibido exaustivamente nas principais emissoras de TV do Estado e nos grandes jornais como o Rambo. Rodney é um protótipo do antigo delegado Cláudio Guerra [Guerra foi uma das figuras mais temidas do Espírito Santo durante as décadas de 1970 e 1980. O delegado, que tinha trânsito livre nas elites capixabas, foi acusado de assassinar diversas pessoas, entre elas a colunista social Maria Nilce].”
Na opinião de Max Filho, o delegado Cláudio Guerra, durante o regime militar, também foi projetado pela mídia como um super herói. “Rodney também foi vendido desta maneira à sociedade. O trabalho à frente da Secretária Segurança não foi questionado pela mídia. Sobressaiu essa imagem de Rambo”.
Max Filho também aponta o governador Paulo Hartung como o grande responsável pela caminhada vitoriosa de Rodney. “Eles mapearam Vila Velha e puseram as lideranças para trabalhar. Muita gente que não tinha votos para se eleger ajudou a puxar votos para o ex-secretário”. Ele pondera, no entanto, que em uma disputa para cargos majoritários Rodney Miranda não teria o mesmo sucesso.
Arquivo vivo
O também candidato derrotado à Câmara dos Deputados, Capitão Assumção (PSB), descorda do vereador Roberto Carlos e concorda parcialmente com Max Filho. “O Rodney não pode ser comparado ao fenômeno Tiririca. São personagens completamente diferentes e de contextos distintos. O Rodney não é um fenômeno como o Tiririca”, sustenta.
Capitão Assumção, que sempre criticou o estilo midiático de Rodney, não acredita também que somente as aparições na mídia tenham sido responsáveis pelos votos de Rodney. “As classes A e B não se impressionam com essas aparições midiáticas. Essa exposição não teria um efeito tão estrondoso nas urnas”, desafia.
Assumção ainda pondera que o nome de Rodney, embora aparecesse bem nas pesquisas, não estava entre os mais votados. “O governador pegou magistralmente nas mãos dele para fazer 25 a 30 mil votos. Ele teve o dobro. Acho que nem eles esperavam”.
Para Assumção, há mais mistérios por trás dessa estupenda votação do ex-secretário. “Rodney é um arquivo vivo. Ele sabe de muita coisa da vida do governador Paulo Hartung. Todas as informações grampeadas pelo Guardião [sistema de escutas telefônicas da polícia] passavam pelas mãos do Rodney. Só isso explica porque Hartung mandou trazê-lo de volta para a secretaria depois do escândalo do Grampo da Rede Gazeta”, recorda o deputado.
Apoio fantasma
Da capital secreta do mundo, o vereador eleito deputado estadual, Glauber Coelho (PR), credita a votação impressionante de Rodney às aparições cinematográficas do ex-secretário. Entre os deputados eleitos, Rodney foi o terceiro mais votado em Cachoeiro, ficou atrás apenas do campeão de votos Theodorico Ferraço e do próprio Glauber Coelho.
O novo deputado, segundo mais votado em Cachoeiro de Itapemirim com 12.072 votos, lembra que Rodney esteve diversas vezes à frente de operações nas cidades sulistas. “Acho que o Rodney soube explorar bem a mídia em relação ao trabalho que ele fez, não ao que ele deixou de fazer. Ele fazia grandes blitze nos municípios todo caracterizado: de colete à prova de balas e pistola à mostra. As pessoas paravam para assistir as operações. Acho que muita gente ficou encantada com essa imagem que ele passou”, suspeita.
Glauber Coelho assegura que o ex-secretário, a exemplo do que afirmou o vereador de Serra, Roberto Carlos, não tinha o apoio de nenhum vereador ou de lideranças comunitárias ou religiosos de Cachoeiro. “Se ele teve apoio, foi fantasma. Eu não vi ninguém o apoiando”, garante.
Só um apoio fantasma poderia explicar também a votação de Rodney em Aracruz, norte do Estado. Entre os eleitos, Rodney foi o terceiro candidato mais votado em Aracruz. O vereador Ronis Alves (PDT), que também concorreu a uma vaga na Assembleia e saiu derrotado, jura de pés juntos que Rodney não recebeu apoio de nenhum vereador de Aracruz e muito menos das lideranças comunitárias do município.
“Para mim a votação de Rodney foi uma grande surpresa. Eu fiz campanha por todas as comunidades de Aracruz e não ouvi ninguém comentar que iria votar no Rodney. A eleição é sempre uma caixa de surpresas. A propaganda gratuita da TV deve ter ajudado. Ele aparecia fardado com armas indo buscar traficante nos morros. Acho que isso impressionou as pessoas”, desconfia.
Entre os eleitos, Rodney Miranda foi o segundo candidato mais votado em Venda Nova do Imigrante e quinto entre todos os candidatos. O presidente da Câmara do município serrano, Marco Antônio Grillo (PSDB), acha que a votação de Rodney “foi normal”. Grillo, que está no seu quinto mandato, diz que havia lideranças e um vereador trabalhando para o ex-secretário durante a campanha. “Ele também esteve aqui e participou de uma missa. Nas ruas, víamos carros estavam adesivados com a propaganda do candidato e também havia faixas nas casas de apoio a Rodney”, conta.
O vereador também garantiu que os votos de Rodney em Venda Nova não vieram do apoio do prefeito Dalton Perim (PMDB). Segundo ele, o prefeito apoiou o candidato Rodrigo Chamoun (PSB).
Em Afonso Cláudio, também nas montanhas capixabas, o vereador Adeilde Davel (PMDB) encarou com normalidade a votação de Rodney. Entre os eleitos, o superdelegado foi o terceiro que recebeu mais votos dos afonso-claudenses. Davel justifica que Rodney teve apoio do vereador e colega de partido Romildo Camporês, que é um político bastante forte no município. “Acho que os policiais também votaram no Rodney. A campanha foi muito forte. Ele também fez uma palestra sobre drogas na faculdade”, recorda.
O vereador ainda avaliou como razoável o trabalho de Rodney à frente da Secretaria da Segurança. “Nos últimos anos a violência em Afonso Cláudio diminuiu, mas também não podemos atribuir esse resultado ao secretário. A comunidade trabalhou muito para isso. Organizamos o Conselho de Segurança. Houve muito empenho da população para reverter a violência”, esclarece.
Fraudes nas urnas
Depois de estudar o sistema de votação eletrônico de trás para frente - desde a primeira experiência brasileira com a urna eletrônica, nas eleições de 1996 -, o engenheiro paulista Amílcar Brunazo Júnior, um dos maiores especialistas em urnas eletrônicas do Brasil, chegou à seguinte conclusão: “É difícil afirmar o hoje se há ou não há fraude, simplesmente porque o sistema brasileiro não permite a auditoria dos resultados”, conclui.
O engenheiro explica que o TSE, em vez de auditar os resultados, audita o software utilizado. Ele adverte que essa auditoria é muito difícil de ser executada. “A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Ministério Público Federal não conseguem auditar o software”, alerta.
Segundo Brunazo, existem duas possibilidades de se auditar o voto apurado pela urna eletrônica: a primeira é a auditoria contábil, que nada mais é que a contagem manual dos votos confrontada com os dados gerados pelo sistema do TSE. “A auditoria contábil está descartada no sistema brasileiro, pois não há o voto material para contar”.
O sistema brasileiro optou pela auditoria do software. Para sustentar a escolha, o TSE parte do princípio que se o software utilizado é seguro os dados gerados, consequentemente, são confiáveis. “Substituir a auditoria contábil pela auditoria do software não soluciona a questão. Essa é uma auditoria impossível de se fazer. Há 14 anos temos eleições eletrônicas no Brasil e até agora nenhuma entidade conseguiu auditar o software para atestar se ele é seguro ou não”, afirma Brunazo.
Para o engenheiro Brunazo, contestações como as que estão acontecendo no Espírito Santo em torno da votação de Rodney são recorrentes em todo o Brasil ao final de cada eleição. “Todas essas reclamações e questionamentos, inclusive as minhas, só existem porque o sistema não é transparente. Se pudéssemos conferir os resultados, todas essas suspeitas seriam esclarecidas. A auditoria acabaria com as denúncias. Tudo isso só ocorre porque não temos como auditar os resultados”, insiste.
Se os políticos consultados por Século Diário divergem nas opiniões para explicar o “fenômeno Rodney”, concordam que o sistema eletrônico de votação precisa ser mais transparente. Alguns políticos que não sabiam que o sistema não permite auditoria dos resultados, após tomar conhecimento do funcionamento do atual sistema, apoiaram a iniciativa de se auditar os resultados.
“Até que se prove o contrário, confio no sistema eletrônico de votação brasileiro. Mas sou plenamente a favor de um sistema que possa assegurar mais transparência ao processo”, disse Glauber Coelho.
Aparentemente é um sistema seguro. “Mas sou favorável é tudo que possa dar mais transparência aos processos”, afirma o Professor Roberto Carlos.
Max Filho alerta que seria leviano afirmar que houve fraude nas eleições. “Não há elementos para se fazer essa afirmação. Acho que a auditoria é válida. A segurança do resultado é fundamental. É preciso sempre garantir eleições livres e fazer prevalecer a vontade do eleitor”.
Para o Capitão Assumção, não dá para afirmar se as urnas são ou não seguras enquanto não houver auditoria dos resultados. O deputado diz que o maior enigma dessas eleições continua sendo a votação estrondosa de Rodney. Ele destacou que Hartung pôs as mãos em Rodney para elegê-lo e mobilizou os prefeitos para apoiá-lo. “O governador tem quase todos os prefeitos na mão. Todo mundo sabe que o poder local é decisivo em uma campanha. Na minha opinião, ainda tem alguma coisa de misterioso no ar sobre a votação de Rodney Miranda”, finaliza.
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