Corrupção. Ministério Público de São Paulo apura, desde o ano passado, suposto pagamento de propina de empresas fornecedoras de merenda escolar no Estado que teriam atuado nas administrações de Marta, Serra e Kassab; empresário revelou detalhes do esquema
Marcelo Godoy e Fausto Macedo - O Estado de S.Paulo
O Ministério Público de São Paulo (MPE) apura supostos pagamentos de propina da chamada máfia da merenda que teria atuado nas gestões de Marta Suplicy (PT), José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD) na Prefeitura de São Paulo. Documentos, planilhas, memorandos, testemunhas e a delação premiada do sócio de uma das empresas investigadas são as provas da promotoria de que o esquema de corrupção teria passado de uma gestão a outra na cidade.
A investigação é sustentada por depoimentos do empresário Genivaldo Marques dos Santos, sócio da empresa Verdurama, envolvida no esquema. Em 26 de março de 2010 ele compareceu pela primeira vez acompanhado de dois advogados ao MPE para contar detalhes do esquema. Começava a delação premiada (negociação com a Justiça para reduzir a pena em troca de informações privilegiadas).
Todos os políticos e empresários citados da investigação negam as acusações (ler pág. A6).
O Estado teve acesso a sete dos depoimentos do empresário. Eles levaram à abertura ou à apreensão de novas provas sobre supostos pagamentos a políticos e funcionários públicos, incluindo planilhas detalhadas.
O acordo para que o empresário revelasse o que sabia só ocorreu após a revelação da existência de interceptações telefônicas feitas pela polícia em um caso de sequestro. Nelas, diretores de empresas de merenda foram flagrados conversando sobre pagamentos de propina para prefeituras. Santos estava entre eles. Confrontado com as provas, ele decidiu colaborar com o MPE.
Cartel. O empresário contou que as empresas da merenda formavam um cartel. A Verdurama, da qual ele era sócio, na verdade pertenceria ao empresário Eloizo Durães, dona da SP Alimentação, a maior empresa do ramo do País. Durães estaria também por trás d a Gourmaitre. Essas empresas, a Nutriplus, a Geraldo J. Coan e a Convida (grupo Denadai) combinavam preços e áreas de atuação no País. Usariam notas frias para encobrir os pagamentos de propina e obter verbas federais para a merenda - entre 2008 e 2010 o esquema teria movimentado R$ 280 milhões.
Em lobby pela terceirização do serviço de merenda, as empresas, segundo o MPE, se aproximavam dos candidatos a prefeito e ofereciam dinheiro para suas campanhas - apostaram em apenas quatro candidatos que não se elegeram em 2004.
Genivaldo Santos confirmou aos promotores que o financiamento ilícito das campanhas era feito em troca do compromisso do candidato de, se eleito, terceirizar o fornecimento de merenda escolar. E assim o esquema de corrupção se perpetuava.
Campanhas. No caso de SP, teriam sido feitas doações ilegais de R$ 2 milhões para dois candidatos em 2004, segundo dados da investigação. Em 2008, só a SP Alimentação teria pago R$ 1 milhão a dois candidatos.
Na gestão Marta Suplicy foi iniciada a terceirização da merenda - 30% do total. O processo continuou nas gestões Serra e Kassab até chegar a 90%. Além de pagar propina sobre o faturamento ou um valor fixo mensal, as empresas são acusadas de servir merenda de má qualidade. O número de refeições seria inflado.
Depois do início das investigações feitas pela Promotoria de Defesa do patrimônio Público e Social e do Grupo de Atuação Especial e Repressão à Formação de Cartéis e Lavagem de Dinheiro (Gedec), os contratos para o fornecimento da merenda foram revistos, e, segundo o MPE, a Prefeitura passou a economizar cerca de R$ 40milhões.
Os pagamentos irregulares em São Paulo começaram, segundo o MPE, com antes da terceirização da merenda - as empresas da chamada merenda direta já pagavam propina, mas menor (2% dos contratos). Na gestão Marta, a cobrança teria mais que dobrado - foi quando se decidiu pela terceirização, em 2003.
Acusados. Santos acusa o ex-secretário de Abastecimento e Projetos Especiais da gestão Marta Valdemir Garreta de receber o dinheiro. Durante o período de 2003 a 2004, os documentos mostraram supostos 18 pagamentos que, somados, chegam a R$ 2.830.432,18. Segundo Santos, a administração petista cobrava 5% de propina.
O empresário Durães seria o responsável por entregar o dinheiro. Mas Durães, segundo Santos, arrecadava 7% entre os colegas do suposto cartel e ficava com 2%. Por causa disso teria sido substituído na gestão Serra pelo empresário Fabrício Denadai. Todos negam as acusações.
A propina, segundo a testemunha, deixou de ser 5% do contrato para ser de R$ 600 mil por mês. Cada empresa contribuiria com R$ 100 mil. O dinheiro seria entregue todo dia 10 por dois emissários num escritório da Nutriplus, na Avenida Ibirapuera, zona sul da capital.
Santos então acusa o secretário Januário Montone, ex-secretário de Gestão (de Serra e Kassab) e atual titular da Saúde (de Kassab) de ter recebido R$ 100 mil em duas parcelas em agosto 2007, quando era secretário de Gestão e dirigia a merenda da cidade. Montone nega e diz que vai processar seus detratores.
PARA LEMBRAR
Já foram abertas investigações em nove Estados
Os depoimentos do empresário Genivaldo Marques serviram de prova e para a abertura de investigações em nove Estados. Além da ação das empresas da merenda, Santos forneceu documentos e depoimentos que permitiram à descoberta da identidade de pessoas acusadas de participação em um esquema de fraude na obtenção de créditos fiscais em Minas obtidos por empresas que atuam na exportação de café.
De acordo com o promotor de Justiça Fabrício Pinto, o chefe do esquema de emissão de notas frias mantinha escritórios na Grande Belo Horizonte. "Eles forneciam notas para as empresas da merenda e também para a exportação do café", afirmou o promotor. A fraude no café chegaria a R$ 100 milhões - já as empresas da merenda teriam movimentado R$ 280 milhões em notas frias entre 2008 e 2010. Em Minas, a promotoria recebeu os depoimentos de Santos e apura contratos de merenda terceirizada em seis cidades.
Santos também foi o responsável pelo início da apuração que levou os promotores de São Paulo a fazer buscas que atingiram o empresário Paulo Ribeiro, cunhado do governador Geraldo Alckmin. Ribeiro seria suspeito de fazer lobby para as empresas de merenda em Pindamonhangaba (SP). Ele nega. Em Pindamonhangaba, a Verdurama, da qual Santos era sócio, forneceu merenda entre 2007 e 2008. Santos disse que a empresa pagava propina de 10% sobre os valores recebidos no contratos.
Outro foco de investigação é no município de Jandira, na Grande São Paulo. Nesta semana, os promotores Silvio Antônio0 Marques e Arthur Pinto Lemos Junior fizeram buscas na cidade que levaram à prisão o ex-prefeito Paulo Bururu (PT) por porte ilegal de arma. Bururu, que foi solto no dia seguinte, nega as acusações.
Santos disse que entregava pessoalmente a propina para o petista e ainda teria comprado um Corolla blindado para o sucessor deste, o prefeito Braz Paschoalin (PSDB), assassinado em dezembro de 2010. Os promotores têm planilhas e memorandos feitos pelas empresas da merenda que confirmariam os tais pagamentos. Eles foram apreendidas em julho de 2010 depois que Santos contou sobre a existência dos documentos aos promotores.
Isso ocorreu no primeiro depoimento do empresário após o acordo de delação premiada, Santos disse que o diretor financeiro da Gourmaitre, Silvio Marques, guardava consigo pen drives. Os pen drives foram achados na casa de Marques em julho. Neles estavam também os supostos pagamentos em São Paulo. Cópias foram enviadas para promotorias dos nove Estados. Cada uma é responsável por apurar os crimes em sua região.
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